O sucesso do filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, revela a importância de resgatar a memória do engenheiro civil e ex-deputado federal Rubens Paiva (1929-1971). Vítima da ditadura militar brasileira, o engenheiro paulista é o personagem central da produção, que concorre ao Oscar nas categorias de melhor filme, melhor filme estrangeiro e melhor atriz (Fernanda Torres) no próximo domingo (2/3). Para registrar parte da trajetória do engenheiro, no filme narrada com base na história contada em livro homônimo por um de seus cinco filhos, o jornalista Marcelo Rubens Paiva, conversamos com alguns profissionais sobre sua importância.
Autor de uma das 26 propostas do concurso para a construção do Plano Piloto de Brasília, ao lado dos arquitetos Júlio Neves e Pedro Paulo de Melo Saraiva e do também engenheiro Carlos Roberto Keer Anders, Rubens Paiva teve revelada uma outra contribuição para a profissão, em 2014, quando a jornalista Camila Marins, da Federação interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), abordou a iniciativa de Rubens que deu origem à Lei do Salário Mínimo Profissional – Lei 4.950-A/1966. A informação foi prestada pelo autor da Lei, o advogado e ex-deputado federal Almino Affonso, em entrevista para o material dedicado aos “50 anos do golpe civil-militar no Brasil”.
“Sempre válido resgatar nossa história para que a gente possa entender os caminhos necessários para construir um país que cada vez mais valorize os profissionais que o desenvolvem. O salário mínimo profissional é uma pauta extremamente importante para nós, não à toa criamos a ‘Frente de Valorização’, um canal que recebe denúncias de editais que não cumprem o piso de engenheiros, agrônomos e geocientistas brasileiros. Entender projetos e ações que façam a sociedade enxergar a importância destes profissionais também é o nosso papel como conselho profissional”, destaca o presidente do Confea, eng. Vininicius Marchese.
Para a conselheira federal eng. agr. Giucélia Figueiredo, diretora executiva da Fisenge em 2014, a exposição da trajetória da família Paiva através do filme “Ainda Estou Aqui”, relatando a luta em defesa da democracia, “remete à necessidade do nosso sistema profissional registrar que a luta pela democracia também está linkada à luta em defesa da engenharia e da soberania nacional. Assim, os profissionais da Engenharia, Agronomia e Geociências precisam ter conhecimento que o engenheiro civil Rubens Paiva foi um dos mentores da lei que criou o salário mínimo profissional Lei 4.950/66”. Durante o Congresso da Fisenge em Búzios, naquele ano, a engenheira escreveu sobre Rubens Paiva.
Homenagem sindical
A jornalista Camila Marins também registra a trajetória profissional do engenheiro e a história do seu desaparecimento, em 20 de janeiro de 1971, foco do filme biográfico de Walter Salles. Ainda em 2014, o Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro (Senge-RJ) e a Fisenge inaugurariam um busto de Rubens Paiva na Praça Lamartine Babo, na Tijuca, em frente local atribuído à morte do engenheiro, segundo a apuração da Comissão Nacional da Verdade: o 1º Batalhão de Polícia do Exército, onde funcionou o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Defesa Interna (DOI-Codi). A filha Eliana e a viúva Eunice Paiva (interpretada por Fernanda Torres no filme) também foram presas no local. Naquele mesmo ano, seria inaugurado outro busto, agora na estação do metrô Engenheiro Rubens Paiva, no bairro da Pavuna, Zona Norte carioca, onde a construtora de Paiva fez um conjunto habitacional.
Conforme o material especial da Fisenge, Rubens Paiva estagiou no escritório de engenharia do Consórcio São Paulo Confia S/A, no segundo ano da faculdade de Engenharia Civil, na Universidade Mackenzie. Ao lado dos arquitetos Pedro Paulo de Melo Saraiva, Marc Rubin e Alberto Botti, ele participou do concurso patrocinado pela Revista Brasileira de Hospitais, ficando em segundo lugar. Formado em 1954, fundou a Paiva Construtora com Pedro Paulo e o professor de cálculo estrutural da faculdade, Roberto Zuccolo. Com a atenção constante do trio, a firma manteve atividades em São Paulo e Santos, terra natal de Paiva, no Rio de Janeiro e em outros estados.
Para o engenheiro civil Olímpio Alves, presidente do Senge-RJ à época das homenagens de 2014 e atualmente, ao contrário de hoje, “não havia qualquer badalação” ao resgatar a memória de Rubens. “Fizemos um Congresso em homenagem a ele, como responsável pela Lei do Piso Salarial e um engenheiro assassinado barbaramente no DOI-Codi, onde colocamos um busto dele lá. Depois, outra na Pavuna. A família dele diz que ele tinha muto orgulho dessa obra e ela participou ativamente da programação”, diz, informando que também foi feita uma exposição sobre a vida e a obra do engenheiro.
“Estamos pretendendo que ela retorne este ano. Na época, ela ficou itinerante, em várias partes da cidade e em algumas cidades do Rio. Está atual e resolvemos reeditá-la. É importante porque mobiliza pela história dele, por conta da memória. Temos que preservar a memória do que houve no passado. Ele foi torturado e morto por nada. Uma pessoa trouxe uma carta, mas ele não tinha nenhuma participação política. O livro e o filme trouxeram à tona esse problema. Para que não ocorra de novo”, ressalta o presidente do Senge-RJ. No próximo dia 27 de março, Olímpio e outras lideranças sindicais participarão de uma comemoração aos 10 anos do busto, no Rio de Janeiro. “Vamos ter também outros eventos. A exposição vai circular por todo o ano. Pretendemos também colocar na praça, junto à Fenaj e à ABI, o busto do Mário Alves, jornalista muito conhecido na época e que também foi assassinado lá. Também queremos colocar na praça outra placa com o nome das pessoas assassinadas. E existe uma campanha para transformar aquele quartel em um Museu da Memória”.
Diretor em 2014 o atual presidente da Fisenge, o engenheiro eletricista Roberto Freire, informa que já no próximo dia 11 de março, durante as comemorações de seus 90 anos, o Senge-PE promoverá uma homenagem “a alguns companheiros perseguidos pela ditadura”. Ele considera que os sindicatos de engenheiros são bastante engajados politicamente, em alguns estados mais do que em outros. “Isso é inerente da pessoa, do ser humano, mas algumas profissões se destacam mais que outras. Fui na inauguração do busto do quartel. Levamos a filha dele para dar um depoimento no Congresso realizado em Búzios. A gente estava meio carregado com as notícias negativas da Lava Jato. Foi uma oportunidade de dizer que Rubens Paiva era um engenheiro e também um ser humano, que fazia casas para pessoas mais pobres e na rede de correspondências para as pessoas no tempo da ditadura. E que havia outros engenheiros, vários, que lutaram contra a ditadura, em todo o país, e também foram torturados”.
Para os atos do próximo dia 27 de março, ele espera que sejam oportunidades para que a sociedade civil e os movimentos contra a ditadura e em defesa da democracia participem ativamente. “Será perto da data do golpe. Para que isso fique marcado”, diz Roberto Freire, informando que assistiu o filme em uma sessão para os engenheiros e outros profissionais identificados com a luta democrática em Pernambuco. “Assim como fizemos muitas atividades nos 50 anos do golpe, lembrando que Rubens Paiva inspirou Almino Affonso a fazer a lei do Salário Mínimo Profissional, pela qual a engenharia lutava dede a década de 1950, compramos uma sessão com políticos e outros companheiros de luta. Houve alguns depoimentos, após o filme. Independente de ganhar o Oscar, acho que a gente já ganhou. Por mostrar para a juventude que essas coisas aconteceram. Meu neto assistiu e ficou surpreso. Percebemos que a sociedade está tomando conhecimento, mostrando a perseguição e a tortura de pessoas comuns”.
São Paulo-Brasília-Europa-Rio
“Nosso projeto, tinha a parte central da administração e o mesmo conceito das superquadras, projetadas para 500 mil habitantes. Mas as nossas superquadras eram em diagonais, achávamos que simplificaria a mobilidade”, descreve o arquiteto Julio Neves sobre a parceria que participou do concurso para a construção da nova capital, considerando Rubens “extremamente competente e dedicado”. Rubens era mais próximo ao arquiteto Pedro Paulo, falecido em 2018. “Tinham mais contato. Fizeram muitos projetos em Santos. Só fizemos esse projeto, mas era um amigo. Extremamente competente, dedicado, fez muita coisa na Engenharia”.
Uma boa parceria marcou a apresentação da proposta. “Fizemos juntos. Visitamos Juscelino, que nos autorizou a fazer uma visita aérea por Brasília para conhecer o local, fomos todos os engenheiros e arquitetos envolvidos. Rubens sempre excelente, fizemos várias reuniões”, diz, lembrando que algumas propostas eram mais extensas.
“No tempo em que trabalhamos juntos, fizemos diversas reuniões, ele frequentava o Instituto de Arquitetos. Entregamos o projeto em 1957 no Rio de Janeiro ao Darcy Ribeiro”, diz, considerando o mérito da proposta vencedora de Lúcio Costa. “O projeto era simplificado, mas ficou muito bom. Depois que as árvores cresceram, é uma cidade muito bonita, agora tem uma série de cidades satélites com problemas habitacionais grandes”.
A dedicação à política não seria compartilhada com Julio, mas ele comenta que a política no movimento estudantil “era uma política de resultados”. Paralelamente, havia a vontade de fazer projetos. “Erámos todos jovens. Estávamos interessados em fazer projetos, mas ele tinha as ideias dele. Quando ele entrou para a política, já no Rio, perdemos contato”.
Colega de Paiva no movimento estudantil paulistano, o ex-deputado federal Almino Affonso revelou que ambos se reconheceram “pelas ideias que se mostraram idênticas. Éramos dois irmãos”. Rubens o questionou sobre a possibilidade de criar um salário mínimo profissional. “Esse projeto teve, como é compreensível, uma resistência muito grande em determinados setores da Câmara, por conta dos setores empresariais que acharam inaceitável. Num certo momento, já então no governo do presidente general Castelo Branco, esse projeto foi, finalmente, aprovado e transformado em lei, enquanto eu estava exiliado”.
Para Julio Neves, renomado arquiteto que já dirigiu o Museu de Arte de São Paulo (MASP), sendo seu presidente de honra, a competência de Walter Salles poderá ser consagrada com o Oscar. “Fico muito contente em saber dessas indicações pelo cinema brasileiro. Fui presidente do MASP por muito tempo, e em algumas coisas estamos à frente do mundo. Mesmo na área do verde, temos projetos importantes. Temos mais uma chance de sobressairmos”.
Paiva voltaria a Brasília em 1963 para assumir o cargo de deputado federal, pelo Partido Trabalhista Brasileiro, ficando até o golpe militar de 1º de abril de 1964. Era vice-líder do PTB e vice-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito que apurava as denúncias contra as atividades do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), acusados de receber recursos internacionais para desestabilizar o governo Goulart. Cassado em 9 de abril pelo Ato Institucional nº 1, exilou-se na embaixada da Iugoslávia, no Rio de Janeiro, deixando o Brasil para viver na França e na Inglaterra até o início do ano seguinte, quando voltou ao país, vivendo primeiro em São Paulo e depois no Rio. Pelo menos até 20 de janeiro de 1971.
Henrique Nunes
Equipe de Comunicação do Confea
Fotos: Divulgação
Montagem: Eduarda Mafra/estagiária de Publicidade do Confea
Agradecimentos à diretora da Mulher da Fisenge, eng. quim. Simone Baía, e à assessoria de Comunicação da entidade.